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Buscando Conhecimento para obter Sabedoria

 


[...] Quase chego a desejar não ter entrado nunca na toca do coelho... e apesar disse... e apesar disso... é tão curiosa essa espécie de vida! Só queria saber o que aconteceu comigo. [...]”.

(Alice no país das maravilhas)

Estamos sempre em busca de respostas.

Não poucas vezes pacientes chegam querendo respostas para muitas perguntas como: “O que aconteceu comigo?”. Ou: “O que eu tenho?”. Ou ainda: “O que há de errado comigo?”. Porém, saber quem sou hoje, agora, requer coragem de olhar para minha história e saber quem fui, como fui, onde fui e até por que fui. Em outras palavras, requer coragem para uma jornada de autoconhecimento, ainda que este não seja o fim último de uma análise. Se colocar ali no espaço psicanalítico é como o movimento de Alice, seguir para a toca do Coelho sem saber o que pode acontecer. Qualquer coisa pode acontecer nesse encontro de fala e escuta e, se manter diante de tudo é um desafio. Alice não parou para pensar que em toca de coelho é fácil entrar, mas difícil sair, ela apenas seguiu. O que nos faz continuar em uma análise? A inquietação que leva Alice a agir, entrar na toca possibilitou um contato com uma espécie de vida curiosa e lhe colocou frente a muitas reflexões.

 

Agitação, nervosismo e cansaço um retrato da humanidade.

A figura do Coelho branco que se comporta como um ser humano vestindo roupas e carregando um enorme relógio correndo de um lado para o outro. Parece até um retrato das pessoas atualmente sempre apressadas, correndo de um lado para outro e ao invés de relógio o tempo todo conectadas com o mundo, mas desconectadas de si mesmas, funcionando numa espécie de piloto automático, de modo que nem percebem o tempo passar. Sempre apressadas, agitadas, nervosas, cansadas. O Coelho está sempre atrasado para os compromissos com a Rainha e está sempre nervoso, confuso, como se estivesse preso a este ritmo de grande agitação - “Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Vou chegar muito atrasado!”. É ele que quando passa no jardim desperta a curiosidade de Alice que não pensa duas vezes e embarca numa experiência que lhe marca e a altera para sempre. Você quer embarcar numa viagem criativa assim que te marque e te faça perceber-se e perceber a vida de maneira diferente? Pergunto, porque como disse Bion “o convite para uma criatividade corre o risco de ser rejeitado”. Fazer se colocar em análise é também entrar em movimento criativo e se reinventar. Recordar sua história, falar, se escutar, até que se conte a mesma história de maneira diferente, com outros significados, outros olhares, outra percepção.

 

Reflexões podem mudar nosso olhar para vida.

Em “Alice no país das maravilhas” o Coelho parede ser uma metáfora do ir atrás do conhecimento e da sabedoria a partir de reflexões simples, porém profundas. Então, mesmo diante dos maiores obstáculos, Alice continuou procurando-o lá no País das Maravilhas como se quisesse prosseguir apendendo cada vez mais. Entretanto, outra coisa que chama atenção em relação ao Coelho é a obsessão que ele tem com o tempo. Isso parece apontar para a angústia humana com a brevidade da vida. O que me lembra o filósofo estoico Sêneca que em sua obra “sobre a brevidade da vida” disse: “Não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos uma grande parte dela. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas.”. A quem diga que o Coelho teria sido inspirado no pai de Alice Lidell, que era um reverendo que vivia atarefado e tinha fama de se atrasar para as missas.

Portanto, ter tempo para pensar e repensar a vida pode mudar nosso olhar e consequentemente, mudar a maneira como vamos lidando com a vida e assim, percebemos que não precisamos ter todas as respostas para nossas perguntas. Na análise nos deparamos com mais perguntas para a nossas perguntas, perguntas que antes não foram feitas, que não atentamos para elas, porém quando somos confrontados com elas em certos momentos, é como uma virada de chave para coisas que antes pareciam estar escondidas, mas agora ali estão, sempre estavam ali e não percebemos. Numa sociedade tão acelerada dedicar tempo para refletir é desacelerar e encontrar lucidez para prosseguir na vida.

 

Daniel Lima

@daniellima.pe

*Texto publicado no Jornal do Sertão

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