Há momentos na vida em que os recomeços não são apenas escolhas práticas ou decisões racionais. Eles se impõem como uma urgência interna, um chamado para continuar sendo de outro modo. Iniciar um novo ciclo, como fiz ao abrir este consultório, é também um modo de escutar a mim mesmo — um gesto que reverbera o que, na psicanálise, tantas vezes testemunhamos nos pacientes: o desejo de ser. Thomas Ogden nos ensina que o encontro analítico verdadeiro só acontece quando analista e paciente conseguem cocriar uma experiência viva, num espaço onde se possa sonhar juntos, mesmo (ou especialmente) diante do indizível.
Este novo espaço não surgiu de um dia para o outro. Ele é o desdobramento de um percurso de escuta e cuidado que se estendeu por dez anos e quatro meses na Casa São José, em Venturosa-PE. Um tempo longo, marcado por muitas histórias, silêncios, afetos e transformações. Ali, fui sendo moldado pelo ofício, pela presença dos pacientes e pela experiência clínica cotidiana. Esse tempo foi o chão que me permitiu, agora, dar esse passo em direção à autonomia profissional, inaugurando um consultório próprio, pensado com afeto e intencionalidade.
O consultório, nesse sentido, não é apenas um espaço físico, mas também um continente simbólico. A disposição dos móveis, a luz suave do abajur, o tapete, os quadros — cada detalhe foi pensado para oferecer não apenas conforto, mas também acolhimento. Como nos ensina Ogden, o setting analítico é parte do campo intersubjetivo onde o “terceiro analítico” se constitui. Esse campo é onde se pode sonhar os sonhos ainda não sonhados, onde os afetos desorganizados podem começar a ganhar forma e nome, e onde o analista está inteiro, ético e disponível para o encontro.
Receber alguém neste espaço é participar da travessia de quem também busca um novo começo — não necessariamente marcado por rupturas, mas por movimentos internos de reorganização. A escuta analítica é um trabalho de presença. Presença diante da dor, da repetição, do medo, do desejo e da esperança. É estar com o outro, como diz Ogden, sustentando o que ainda não pode ser simbolizado, oferecendo uma função psíquica de rêverie capaz de conter e transformar o que, em outros contextos, seria insuportável.
Cada novo começo carrega em si tanto a esperança quanto o temor do que ainda não se conhece. Por isso, o espaço analítico precisa ser um lugar suficientemente bom — não no sentido de perfeição, mas de possibilidade. Um lugar onde seja possível “sonhar o sonho não sonhado” do paciente, como propõe Ogden, e onde os fragmentos de experiência possam ser tecidos em narrativas menos hostis, mais habitáveis. O setting físico, nesse caso, se torna metáfora do setting psíquico: é preciso cuidar do espaço externo como se cuida do interno.
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