Nos últimos dias e, ainda início de 2019, nossa nação tem
vivenciado momentos de dores e uma tristeza solidária diante de calamidades e
tragédias que tem nos deixado perplexos na imprevisibilidade de existir. Lama,
água, fogo e acidente nos faz viver uma sensação de um luto generalizado. O
povo brasileiro neste começo de ano tem estado imerso numa profunda comoção e isso
se manifesta socialmente de diversas maneiras, que apesar de pluralizada em sua
essência traz a singularidade de cada indivíduo. Muitos parecem sentir uma
intensa angústia fóbica por se depararem constantemente com a incerteza do logo
mais. Outros mergulham numa melancólica e desesperadora reflexão ao olharem
para histórias interrompidas, sonhos que não foram vivenciados, momentos que
não foram vividos e, em se deparando com isso, acabam tendo que lidar com um
recorrente pensamento: “devia ter”. O
tom de lamento pelo não vivido, ou pelo que se poderia ter vivido; devia ter
feito, ou não devia ter feito.
É, a nossa vida é temporal! Um dos filósofos mais
importantes do século XX, o alemão Martin Heidegger dizia que todo ser é “um ser rumo à morte”, mas apenas os
humanos reconhecem isso. A morte apesar de ser uma certeza é algo desconhecido,
misterioso e que envolve muitos discursos com as mais diversas explicações
especulativas que visam amenizar um pouco a angústia que amedronta muitos: o morrer. Os últimos acontecimentos
parecem de alguma maneira ter gerado algum tipo de reflexão em torno do viver.
Viver este que nas redes sociais é maquiado com falsas expressões de felicidade
e que na correria do dia a dia parece ser esquecido, entorpecido pelo
recorrente desejo de ter algo, ter sempre mais bens materiais. O morrer nos põe
entre estes dois verbos: ter e ser.
Não demora muito para se chegar a uma constatação de que o ter é algo efêmero e
o ser é algo essencial, duradouro, de modo que a felicidade, o bem-estar não é
colecionar, ou acumular bens materiais, títulos, ou qualquer coisa semelhante -
isso não quer dizer que não podemos nos esforçar para obtê-los. Todavia, a
felicidade, o bem-estar, parece estar nos momentos bem mais que materiais,
estão nas experiências, nos instantes em que não estamos vendo a vida passar,
mas percorrendo na existência se reinventando apesar dos sofrimentos e
construindo uma qualidade de vida. Rubem Alves certa vez disse que “qualidade de vida é uma expressão
polissêmica. Escutar música, ter tempo e ter condições de ler. Qualidade de
vida são tantas variáveis e muitas vezes mais simples do que podemos pensar.”
Se ficarmos de Vi-Ver, vi e/ou vou ver, adiamos momentos únicos que nos trariam
a sútil, mas imponente qualidade de vida. Viver bem talvez seja o
melhor antídoto contra a ideia da morte. A questão é que às vezes levamos muito
tempo para descobrirmos isso.
Portanto, diante das notícias desagradáveis que nos faz
solidários com o sofrimento daquele que vivência a dor, tenhamos uma postura de
silêncio e reverência. Entretanto, apesar dos abalos subjetivos que possam vir:
o medo de morrer, a sensação de impotência por não poder controlar o futuro que
ainda nos é desconhecido e, uma incessante busca por felicidade que parece nos
catapultar para cada vez mais longe do que almejamos - “Se só quiséssemos ser felizes, seria fácil. Mas queremos ser mais
felizes que os outros, isso é quase sempre difícil, porque acreditamos serem os
outros mais felizes do que são”, Montesquieu. Talvez precisemos desacelerar
um pouco a nossa rotina para desfrutarmos com leveza os instantes do cotidiano
com sabedoria e responsabilidade, pois o que de fato e de verdade está ao nosso
alcance é o hoje. Como diz uma canção do grande compositor da música popular
brasileira, Chico Buarque de Holanda: “apesar
de você amanhã há de ser outro dia”. Vivermos o agora sem a angustiante e
paralisante ansiedade de querer antecipar tudo para hoje é um desafio.
Desenvolver um autoconhecimento que nos coloque no chão da vida de modo
consciente de que apesar de nós amanhã será outro dia, é algo necessário. E
como tal nos permitimos o exercício de viver um dia de cada vez, o que é
libertador. Já dizia Mahatma Gandhi: “o
futuro dependerá daquilo que fazemos no presente”. Então, o quê, como e por
que estamos fazendo ou não isto ou aquilo no presente? Como estamos vivendo?
Estamos construindo nosso futuro no presente, “a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas” - Fernando Pessoa.
Daniel Lima
Teólogo, filósofo e psicanalista
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