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Silenciar

Vivemos numa época que propõe constante conexão em redes sociais. Estamos conectados com o mundo e desconectados de nós mesmos. São tantos os ruídos que não conseguimos ouvir-nos. Parece que o constante medo de ficarmos sozinhos direciona-nos o tempo todo para os barulhos e aglomerações. Sendo assim, compartilhamos fotos com um sorriso amarelo e com amigos, mesmo sem desfrutar da presença deles, pois quase sempre o que vale nem é aquilo que estamos vivendo naquele momento, mas as curtidas, comentários e compartilhamentos.
Isso que chamamos de vida, passou a ser uma constante monotonia, estamos numa espécie de piloto automático e até nos acostumamos com o sofrimento. É mais fácil ficar preso na zona de conforto alimentando o medo de arriscar, pois o novo nos assusta. Então, somos sugados por uma espécie de buraco negro existencial nos vitimizando e caindo num vazio, muitas vezes por não escutar-nos.
Numa geração onde muitas pessoas estão distantes de si mesmas, ficar quieto e ir para o interior do seu interior parece ser pavoroso, por isso fones de ouvido são boas alternativas para não ouvir nossos pensamentos. Ficar a sós consigo mesmo, buscar equilíbrio e, encontrar em nós a sensação de bem estar para dar novos significados, fazendo a vida ter novos sentidos, é um desafio imenso. O fantasma da solidão não nos permite um estado de silêncio. No entanto, é o vazio do lado de dentro que nos faz ter a constante necessidade de preencher do lado de fora, gerando diversas frustrações. Aquietar-se e silenciar-se tem muito mais a ver com solitude, pois é um exercício de pacificação onde temos o interior preenchido. Cultivar a solitude e o silêncio interior, nos liberta da solidão e do temor de escutar nossos pensamentos.
Silenciar é um mergulho em nós mesmos buscando reequilibrar a alma e por sua vez o corpo. Temos mais facilidade em cuidar do corpo: dietas, exercícios físicos e exames médicos (na maioria das vezes quando os sintomas são evidentes). Todavia, esquecemos da nossa alma. Alimentamos o corpo, mas não temos o cuidado de saber como alimentar nossa alma.
Quando fazemos esse movimento para dentro a vida parece ganhar mais significado, de maneira que não ficamos contemplando a vida passar e nem somos levados pelo acaso, mas tentamos dominar nossa existência apesar de muitas coisas estarem para além do nosso domínio, pois a vida é imprevisível, porém quanto mais conectados conosco aqui no agora, é mais simples organizar as ideias.
É muito fácil falar tudo isso, mas o que precisamos é ir além da teorização e partirmos para a prática. Acredito que a solitude amplia nossa sensibilidade em relação a nós e ao outro. Isto porque nela encontramos a bondade com a qual conseguimos amar-nos, reconciliando-nos com nossa própria história de tal modo, que uma ação natural é lidarmos melhor com o outro e com o mundo a nossa volta.
Portanto, encontremos caminhos para cuidar de nossa própria alma e nos revigorarmos a partir dessa estabilidade de silêncio interno, a fim de descobrirmos de forma nova a nossa dignidade como ser humano inserido na vida social e cotidiana. Que no chão da existência, influenciados por nossas vivências e lembranças, possamos encontrar forças para recomeçarmos e reconstruirmos nossas vidas tantas quantas vezes precisarmos. Assim, entenderemos que a vida terá o sentido que dermos a ela, basta conectar-se a si mesmo. Silenciar não é um exercício fácil, mas às vezes a resposta que procuramos está nesta viajem para dentro.

Daniel L. Gonçalves
Teólogo, Psicanalista e Filósofo

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