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Simplicidade



Ama a simplicidade
Ama a vida
Ama a poesia
Ama as coisas que dão alegria
Ama a natureza e a reverência pela vida
Ama os mistérios
Ama Deus.
(Rubem Alves)


Cada vez mais em nossos dias aumenta a paixão pelos bens materiais. Afinal de contas, bens simbolizam status e lamentavelmente na maioria das vezes somos definidos e valorizados pelo que temos e não pelo que somos. Para muitos a vida ideal está no acúmulo de bens e o que predomina é aquela frase: “quanto mais melhor”. Então, vivemos esse frenesi, um ativismo intenso, uma verdadeira corrida de ratos para conquistarmos e acumularmos cada vez mais. Corremos, corremos, mas não estamos satisfeitos, queremos sempre mais e para realizarmos esse desejo vivemos uma acirrada competição fora e muitas vezes dentro de casa também. Viver assim não é apenas angustiante como também gera uma grande ansiedade e parece não haver fim para isto.

Penso que a solução para isto é um retorno à simplicidade, pois ela nos liberta dessa obsessão e nos traz equilíbrio, de modo que pacificamos e aquietamos nossa alma. Ser simples limpa a nossa visão e assim enxergamos o devido lugar dos bens materiais que é tornar a vida mais fácil e não um fardo pesado que tira-nos o fôlego sufocando a alma. Em nossos dias, vida simples está na moda por seus benefícios ecológicos também.

A simplicidade descomplica a vida e a torna mais bonita, pois não caminhamos sobre acúmulos que nos causam perdas. Não poucas vezes por se valorizar bens materiais tratamos pessoas como coisas e invertemos a ordem passando a valorizar as coisas e usar pessoas. A consequência desse caminhar é desastrosa, famílias são arruinadas e lares desfeitos passando a ser apenas dormitórios e ainda praças de alimentação. Muitos optam em colocar um remendo nas relações e dão presentes para substituir presença.

O simples valoriza o essencial da vida, como disse o escritor, ilustrador e piloto francês A. Saint-Exupéry: “O essencial é invisível aos olhos”. Viver com simplicidade é ser um sinal de despojamento porque se opõe ao consumismo e não aceita a prisão proposta pelo supérfluo. Se de fato e de verdade vivemos com simplicidade aprendemos a descobrir nas pequenas coisas a felicidade de existir, viver, desfrutar e compartilhar. O simples também é alguém humano que reconhece sua limitação. Sabe que é um ser finito e que está em constante aprendizado, caindo e levantando, por isso não tem dificuldade alguma em reconhecer seu erro. Não é escravo da aprovação do outro, pois entende que os outros projetam em nós seus desejos e suas faltas. Como diria Mário Quintana: “Na simplicidade aprendemos que reconhecer um erro não nos diminui, mas nos engrandece, e que as pessoas não existem para nos admirar, mas para compartilhar conosco a beleza da existência”.

Um dos grandes mestres da literatura russa do século XIX Leon Tolstoi certa vez disse: “Não existe grandeza onde não há simplicidade, bondade e verdade”. A simplicidade é a grandeza que proporciona liberdade! Não podemos nos conformar com uma sociedade doente. Vamos influenciar as pessoas levando libertação do apego insano às coisas materiais, pois se nos conformarmos vamos adoecer junto. Sem falar que para alguém acumular riquezas implica dizer que existe outro alguém sendo explorado.

Portanto, despertemos para uma jornada mais leve e desapegada percebendo que a felicidade não está nas coisas. Contudo, minha intensão não é fazer uma apologia a uma vida miserável, mas que tenhamos provisão material adequada sem nos tornarmos escravos do consumo. Os bens precisam ser desfrutados, ou seja, nós até podemos possuí-los, mas eles não podem nos possuir, de modo que venham a destruir pessoas, lares, famílias e a nós mesmos. Quando não somos dominados pelo acúmulo ficamos livres da ansiedade que de fato estrangula a alma.

 

Daniel Lima Gonçalves

Psicanalista, Filósofo e Teólogo.

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