Há estantes que são mapas do mundo interior. Não são apenas tábuas e lombadas: são topografias da alma. Diante de uma delas, ricamente povoada, sinto que cada livro magnetiza um pedaço do que somos — memórias, feridas, desejos, perguntas que insistem em voltar. E, quando um pequeno Freud sentado observa um divã em miniatura, a cena inteira se transforma numa metáfora: a leitura como análise, o leitor como analisando, a página como espaço clínico onde o segredo arrisca virar voz. Ler é uma forma de respirar por dentro. É abrir janelas num quarto sem ar, deixar que entre um vento que carregue para longe o pó dos dias e traga um cheiro de mundo. Quando a vida aperta, um livro pode oferecer o tempo que nos falta: um tempo de espera, de elaboração, de nomeação. A saúde mental, tantas vezes capturada por urgências e rótulos, encontra na leitura um ritmo diferente, quase artesanato. Porque ler é aprender a escut...
Há momentos na vida em que os recomeços não são apenas escolhas práticas ou decisões racionais. Eles se impõem como uma urgência interna, um chamado para continuar sendo de outro modo. Iniciar um novo ciclo, como fiz ao abrir este consultório, é também um modo de escutar a mim mesmo — um gesto que reverbera o que, na psicanálise, tantas vezes testemunhamos nos pacientes: o desejo de ser. Thomas Ogden nos ensina que o encontro analítico verdadeiro só acontece quando analista e paciente conseguem cocriar uma experiência viva, num espaço onde se possa sonhar juntos, mesmo (ou especialmente) diante do indizível. Este novo espaço não surgiu de um dia para o outro. Ele é o desdobramento de um percurso de escuta e cuidado que se estendeu por dez anos e quatro meses na Casa São José, em Venturosa-PE. Um tempo longo, marcado por muitas histórias, silêncios, afetos e transformações. Ali, fui sendo moldado pelo ofício, pela presença dos pacientes e pela experiênc...