Existe diferença entre ouvir e escutar. O primeiro ouve sem
dar a devida atenção e muitos parecem ter um botão de desligar, fazendo jus
aquela expressão popular: “Ouvido de mercador” ou “entra por um ouvido e sai
pelo outro”. O segundo por sua vez, escuta atentamente o que está sendo dito e
até o que muitas vezes nem se percebe dizer. Escutar o outro não é simplesmente
captar o que está sendo dito, mas entender o que é captado pela audição, de
modo que se compreenda e processe a informação internamente. Contudo,
escutar-se é um desafio, ainda mais diante dos ruídos e distrações existentes
em nossos dias. Portanto, isso requer ainda mais esforço e disciplina, pois nos
leva aos nossos medos, desejos, angústias, fantasias e nossos fantasmas, porém
como já foi dito anteriormente, cabe a nós silenciar nossa mente.
O ser humano sempre deseja
esquivar-se da verdade dele mesmo. Na grande maioria das vezes não queremos nos
escutar porque fugimos de nós e preferimos não nos confrontar com nosso lado
obscuro. Immanuel Kant disse que “o empreendimento mais importante do homem é
saber o que se deve ser para ser um homem”. Entretanto, isto requer de nós uma
autorreflexão que só é possível se aquietarmos e nos pacificarmos num estado
interno de profundo silêncio. Sendo assim, se buscamos descobrir a nós mesmos
devemos trilhar o caminho da escuta.
O filósofo e escritor francês
Pascal Bruckner descreveu a vitimização como uma característica da nossa
sociedade. Ao nos colocar constantemente numa postura de vítima e recusarmos
assumir responsabilidades, estamos desenvolvendo a autocomiseração que é um
sentimento de compaixão por si mesmo. No popular, seria ter pena de si mesmo,
se vendo como vítima da própria história, achando que a vida foi muito injusta
nos impedindo de viver. Sabe quando somos impedidos de viver? Sempre que ignoramos
nossos próprios sentimentos e eles vão se enraizando em nós. Quando expressamos
os sentimentos de mágoa ou raiva, por exemplo, rapidamente esclarecemos e
aprofundamos a relação conosco e com o outro. É bom lembrar que somos
responsáveis pelo ambiente que criamos em torno de nós.
Saberemos quem somos e no que estamos nos transformando, se
desacelerarmos um pouco passando a nos escutar mais. Nosso interior precisa ser
cuidado e alimentado, precisa de leveza e amplitude, precisa de asas sem
restringir seu espaço de voo e sem podar as asas para que exteriormente
possamos ser conduzidos a um novo caminho, para um caminho de atenção. Saíamos
da superfície, aprofundemo-nos em nós mesmos. Deixemos as futilidades e
abracemos o que de fato e de verdade é essencial para nós e em nós. Basta nos
escutar, pois todo tempo o tempo todo estamos falando e tudo a nossa volta
também está, apenas não estamos percebendo porque estamos desconectados de nós
apesar de estarmos conectados virtualmente com o mundo.
Vamos nos permitir ser confrontados
por nossa própria história e nos reconciliar com ela, pois o que somos hoje é
reflexo do que um dia fomos e passamos. Claro que não podemos voltar no passado
e muda-lo, mas podemos aprender com ele. Sei que não podemos escolher a nossa
infância, esta já passou, mas em algum momento temos de nos reconciliar com
tudo aquilo que um dia vivemos e sofremos. Todavia, isso só acontecerá se
estivermos preparados para nos reconciliar com nossos ferimentos e
ressignificá-los, a fim de transformá-los em pérolas. Reconciliar-se com as
mágoas significa também perdoar aqueles que nos magoaram. Porém, perdoar não é
receber uma grande pancada na cabeça e ter uma amnésia, não, não é esquecer-se,
mas lembrar-se e não ser mais machucado por esta memória. Perdoar é um processo
que muitas vezes necessita de um longo tempo para de fato se concretizar na
alma. Não é simplesmente querer, mas decidir, pois não existirá reconciliação
alguma com nossa história de vida percorrida até aqui, se não houver perdão. Escute-se,
perdoe-se e fique bem consigo mesmo.
Daniel Lima Gonçalves
Psicanalista, Filósofo e Teólogo.
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