Mesmo quando a vida nos reserva algo difícil nós podemos
ser felizes, ainda que pontuada por momentos de tristeza tais momentos não
anulam o estágio da paz. Aceitar o eu que nos tornamos significa reconciliação
consigo mesmo e isso requer que aceitemos o fato de sermos ambivalentes. Em nós
existe amor, mas também ódio, apesar de todas nossas aspirações morais e
éticas, também temos agressividade, ira, ciúme, sentimentos depressivos
covardia e medo. Se não enfrentarmos as sombras que nos habitam iremos
projetá-las no outro. Então, por não estarmos em harmonia conosco e
reconciliados com nossa própria história, também encontraremos dificuldades
para nos reconciliar com o outro.
Perdoar não é fácil, porque quem
perdoa não espera um retorno, ou seja, não pressupõe reciprocidade. Ao
perdoarmos somos libertos do sentimento corrosivo de se achar injustiçado e às
vezes somos libertos da auto piedade. Ainda que de fato tenhamos sido ofendidos
não podemos nos aprisionar as dores vividas. O perdão é um exercício pouco
praticado em nossos dias, talvez porque é algo tão profundo que é executado
antes mesmo do ofensor se arrepender e chegar a nós pedindo perdão. Isto mesmo,
antes que ele venha já está perdoado por nós e isso é dar ao outro a chance de
nascer de novo na nossa própria história.
Cada um de nós traz as marcas da
sua história. Uns perderam os pais muito cedo, outros, mesmo tendo os pais é ou
era como se não tivesse-os. Há também aqueles que talvez tivessem um pai com comportamento
instável devido ao consumo excessivo de álcool. Em outros casos a mãe não
demonstrava afeto, acolhimento, ou era depressiva e não pôde dar a confiança
que necessitávamos. Mulheres ou homens que quando crianças sofreram abusos
sexuais. Estas e outras situações que não foram ditas aqui, geram traumas
difíceis de serem superados, levando muitos a se submeterem a psicoterapia para
poder dar conta dos sofrimentos. Então, surge a pergunta: Será que feridas
assim podem ser curadas? Sim, toda ferida pode ser curada!
Quando fazemos silêncio é possível nos escutar e quando nos
escutamos muitas coisas podemos relembrar. Esse processo pode ser bem difícil,
pois temos que nos permitir sentir novamente a dor que o outro nos causou e
aceitar aquela raiva que sentimos diante das palavras reprimidas que nos
feriram. Porém, este movimento nos liberta do domínio do outro, pois
internamente estamos ligados a ele enquanto não lhe oferecemos o perdão.
Algumas pessoas nunca se curam por não conseguirem, ou não quererem perdoar
àquele que as feriu, optando serem consumidas pelo ódio, angústia ou constante
lamento da vida que tiveram. Perdoar não é uma exigência, mas sim a nossa
libertação.
É certo que não nascemos prontos e
estamos sendo formados, moldados, nos refazendo no decorrer da existência.
Todos nós enquanto seres humanos, precisamos de uma família para desenvolvermos
de maneira plena as nossas competências emocionais, cognitivas e motoras.
Socialmente falando, a família é o núcleo sobre a qual a sociedade se desenvolve,
por isto quanto mais saudável for, melhores serão os sujeitos que
possibilitarão a construção de um ambiente social mais inclusivo, harmonioso e
acolhedor. Contudo, não podemos negar que famílias também acabam sendo grandes
fabricas de neuroses, pois muitas vezes acabam sendo espaços de agressão, falta
de afeto e até mesmo solidão, apesar de está cercado por pessoas. Tal ambiente
tem se tornado um verdadeiro lugar de adoecimento psíquico, fazendo indivíduos
levarem feridas por toda vida. Antoine de Saint-Exupéry, o conhecido escritor,
ilustrador e piloto francês em um contexto específico disse: “Não chore por ter
perdido o pôr do sol, pois as lágrimas te impedirão de contemplar as estrelas”.
Se angustiar pelo que passou sem perdoar a si mesmo e aos outros, é entrar numa
zona de estagnação e começamos a nos bloquear ou mesmo desenvolvemos auto
sabotagens para repetir os sofrimentos do passado. Não podemos voltar no tempo
para mudá-lo, mas também não vivemos plenamente o presente se estivermos presos
a ele e desta maneira não percebemos as coisas maravilhosas que a vida nos
proporciona aqui no agora.
De fato quando nascemos em um lar onde os relacionamentos
são saudáveis e existem respeito e amor mútuo, a vida se torna muito mais fácil
de ser vivida. Muitos de nós trazemos dores tão profundas e intensas, que até
parecem ter sido impressas no nosso íntimo para sempre devido a exposição a
toda sorte de problemas, humilhações, ausências e maus tratos. Olhando assim
parece que não existe algo que seja tão destrutivo na vida do ser humano quanto
às questões dos dramas familiares. Um psicanalista francês, Charles Melman
afirmou: “A instituição familiar está desaparecendo, e as consequências são
imprevisíveis”. Como disse acima, a família é necessária, mas parece que cada
vez mais ela está produzindo mais mal do que bem.
O filósofo, escritor e crítico
francês Jean-Paul Sarte, certa vez afirmou que a “família é como a varíola: a
gente tem quando criança e fica marcado para o resto da vida”. Entretanto, se
guardarmos rancor e sentimentos de amargura contra nossa família estaremos
repetindo em nós dores da infância sem resolvermos o cerne do problema. Quanto
mais estocarmos em nossa alma tais coisas, sempre caminharemos pesados, pois
reter o ódio faz muito mal. Todos nós passamos e passaremos por ambientes de
sofrimentos, porém viver nesse ambiente é uma coisa, e permitir que ele viva em
nós é outra coisa totalmente diferente. A questão é que muitas vezes conjugar o
verbo sofrer parece gerar em nós um certo prazer, ou uma maneira de mostrarmos
para o outro como nossa vida foi ruim pedindo indiretamente que ele facilite
nossa jornada, afinal chegar aqui entre trancos e barrancos não foi nada fácil.
Sendo assim, vamos reagir diante do sofrimento vivido e cuidarmos de nós mesmos
para que nos tornemos pessoas melhores, a fim de não ficarmos enjaulados,
presos pelas grades dolorosas do passado, mas livres, desfrutando da
oportunidade que temos hoje de reescrever nossa história.
Daniel Lima Gonçalves
Psicanalista, Filósofo e Teólogo.
Comentários
Postar um comentário